As primeiras radioamadoras mulheres e seu incrível legado

Por Ashley Hennefer*
Traduzido por Alisson, PR7GA

Historicamente, foi a alfabetização que permitiu aos marginalizados terem voz e oportunidade para participarem de um sistema que os exclui. Tempos depois, quando a imprensa revolucionou a disseminação do conhecimento no mundo, a invenção do rádio como meio de entretenimento, auxílio em emergências e comunicação em geral teve um efeito semelhante na narrativa oral. 

Nesse contexto, o radioamadorismo nasceu como um subconjunto do rádio comercial. Seu principal apelo naquela época, que era permitir a comunicação de forma independente com outras pessoas em todo o mundo, atraiu muitas pessoas no início do século XX, incluindo mulheres, que queriam participar dos esforços de guerra e também se conectar com outras mulheres ao redor do mundo. 

Embora esse entusiasmo pelo radioamadorismo por parte de seus praticantes não tenha diminuído muito nos últimos cinquenta anos, o hobby está ressurgindo fortemente dentro do movimento "maker" à medida que estes jovens construtores adeptos do "faça você mesmo" reconhecem o potencial que o radioamadorismo tem para contribuir com o movimento. Muitos radioamadores consideram o radioamadorismo como sendo o próprio ponto de partida do movimento "maker", pois exige conhecimentos de eletricidade, geografia e comunicação. 

Desta forma, o rádio é um dos muitos meios que foram oferecidos às mulheres para serem ouvidas em qualquer lugar do mundo. E elas aceitaram.

Sobre os HAMs 

Para aqueles que não estão familiarizados com os termos utilizados pelos radioamadores, o título “HAM” [presunto, em inglês] foi originalmente usado de forma pejorativa para designar radioperadores amadores que, sem treinamento adequado, atrapalhariam os profissionais. Eventualmente, porém, o nome perdeu seu estigma negativo e agora é usado de forma intercambiável com "radioamador". Independentemente de serem "amadores", todos os operadores devem ser licenciados e concluir um programa de treinamento através dos regulamentos da FCC. [N. do T.: aqui no Brasil, aplicam-se as regras da ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações.] 

As radioamadoras são chamadas de "YL", abreviação de "Young Lady" [senhorita, em inglês], independentemente da idade da colega. Ainda que esse termo possa parecer meio antiquado, veja que no mesmo linguajar dos radioamadores os homens são chamados de "OMs" [old man em inglês] ou "Velho". No mundo, a maior organização dedicada às radioamadoras (YL) é a Young League 'Radio League (YLRL), fundada em 1939, que existe para incentivar e ajudar mulheres de todo o mundo a se tornarem radioamadoras licenciadas. 

Embora o rádio em geral, tanto no segmento amador quanto o comercial tenha sido fortemente dominado por homens, as mulheres têm respondido de forma amplamente positiva ao seu apelo. Um artigo de 1916 publicado no periódico "The Electrical Experimenter" denominado "The Feminine Wireless Amateur" diz:

Embora a telegrafia sem fio comercial tenha sido inventada por um homem, o signor Guglielmo Marconi, isso não significa que as mulheres não possam dominar seus mistérios. [...] As mulheres têm tido excelente progresso no campo da engenharia. Isso ocorre principalmente porque seu cérebro tem agilidade para responder, além do fato de que geralmente elas tem facilidade para dar equilíbrio às proporções, tão essenciais no design. Uma imaginação fértil, aliada a várias outras habilidades úteis, ajuda a criar uma combinação muito boa, de modo que encontramos um número cada vez maior de mulheres arquitetas, especialistas em mecânica e elétrica, operadores de rádio, engenheiras civis e autodidatas. O que é preciso é vê-las mais em cargos mais elevados, onde conceitos como raiz quadrada e o teorema binomial são utilizados diariamente.

Este é um enfoque bastante positivo - e progressista - sobre as mulheres na ciência e na engenharia - especialmente para a época: 1916. Outro artigo do New York Times de 1931 também captou esta tendência:

O número de mulheres que obtêm licenças de radioamador está aumentando rapidamente, informou hoje o Departamento de Comércio, embora existam apenas oito operadoras de rádio comerciais registradas no país. […] Existem hoje oitenta e seis mulheres radioamadoras, em comparação com os cerca de 18.000 homens radioamadores.

Esse número aumentou drasticamente desde 1930. E embora hoje em dia existam milhares de mulheres licenciadas em todo o mundo, durante o início do século 20 houveram várias mulheres notáveis que abriram o caminho para as novas gerações de garotas que encontrariam voz nas ondas do rádio.


Gladys Kathleen Parkin 

Com apenas quinze anos, Gladys Kathleen Parkin (1901-1990) recebeu sua licença classe A de radioamador. Este feito é incrível não só por conta de sua idade à época, mas também considerando que ela conseguiu sua primeira licença aos nove anos de idade. Ela apareceu na capa da revista The Electrical Experimenter e foi considerada "a mais jovem candidata já examinada pelo governo na época a receber uma licença”, segundo um artigo de 1916 no jornal San Francisco Chronicle. Parkin começou seu hobby aos cinco anos com o irmão e foi a primeira mulher na Califórnia a conseguir uma licença de radioamador de primeira classe

O primeiro indicativo de Parkin foi 6S0, e ela passou a vida transitando no mundo do rádio, e acabou se tornando conhecida por construir seus próprios equipamentos. Abaixo estão algumas linhas escritas pela própria, citada no The Electrical Experimenter


A respeito de minhas idéias sobre o ofício sem fio [N. do T.: como o rádio era chamado à época] ser uma vocação ou hobby útil para as mulheres, acho que a telegrafia sem fio é uma área de estudo muito fascinante e que poderia ser facilmente absorvido pelas garotas, pois é muito mais interessante do que trabalhar em telefonia ou telégrafo [com fio, está subentendido], nos quais muitas estão agora empregadas. Eu tenho apenas quinze anos… Mas o interesse em redes sem fio não termina no conhecimento do código. Aos poucos, você pode aprender a construir os seus próprios equipamentos, assim como eu fiz com o meu conjunto de ¼ de quilowatt. Existe sempre algo mais para aprender adiante, pois a telegrafia sem fio ainda está em sua infância.

Graynella Packer

Aos 22 anos, Graynella Packer, da Flórida, tornou-se a mulher mais jovem a operar um rádio a bordo de um navio transoceânico a vapor, diz um artigo de 1914 no jornal King Country Chronicle. Suas experiências no mar lhe renderam muitas histórias que mais tarde contou a seus amigos e familiares. Embora ela tecnicamente não fosse uma radioamadora, sua paixão pelo rádio começou como um hobby. Packer se interessava pela forma como a eletricidade e a comunicação funcionavam em mar aberto. Serviu no navio a vapor Mohawk de 1910 a 1911.



Olive Carroll 

Olive J. Carroll, nascida no Canadá, era apaixonada por viagens e aventuras enquanto crescia nos anos 30 e 40 - e o rádio era sua porta de entrada para o mundo. O interesse de Carroll pelo radioamadorismo começou no ensino médio, após o qual ela tomou como profissão, escolhendo cursar a Sprott Shaw School of Radio, onde obteve seu certificado de radioperadora de segunda classe em 1944. Ela foi contratada pelo Departamento de Transporte do Canadá como operadora de interceptação. Alguns anos depois, quando uma vaga foi aberta no cargueiro norueguês M/S Siranger, ela aceitou o emprego - nunca antes havia viajado a mais de 800 quilômetros de sua casa. Como Packer, Carroll foi impulsionada pelo desejo de explorar o mundo operando a partir do oceano. 

Em 1994, ela escreveu um livro sobre suas experiências chamado Deep Sea 'Sparks': Uma menina canadense na marinha mercante norueguesa. O Museu Marítimo de San Francisco recriou a sala de rádio de um navio com o mesmo equipamento que Carroll usou durante seu tempo no M/S Siranger. 

Clara Reger


É impossível falar sobre radioamadoras notáveis ​​sem reconhecer o trabalho de Clara Reger, que recebeu seu indicativo em 1933 aos 35 anos. Reger teve uma longa carreira como radioperadora e gerenciou as comunicações de emergência após a Segunda Guerra Mundial. Conhecida por suas habilidades excepcionais em código Morse, Reger passou grande parte de sua vida ajudando outras pessoas a se tornarem radioamadores. Ela também recebeu o Prêmio Edison por ensinar um garoto de quatorze anos sem braços a se comunicar via código Morse com os pés. 

Mas Reger também é conhecida por ter criado um código que é utilizado como saudação por mulheres que se comunicam com outras mulheres - é o "33" [N. do T.: semelhante ao "73" que é muito utilizado], que significava amor selado com amizade. Reger sabia que ouvir a voz de outra mulher no rádio era algo raro e especial. Que maravilha é manter contato com mulheres através do rádio, atravessando oceanos ao redor do globo! 

A saudação "33" é considerada sagrada pelas radioamadoras, e existe até um poema dedicado às realizações e paixão de Reger pelas comunicações por rádio. Você pode lê-lo na íntegra no site da Young Ladies Radio League, mas aqui está um trecho: 

Não existe uma definição real, mas seu significado é bem conhecido. É como uma YL diz boa noite para uma amiga YL.





Embora essas sejam apenas algumas das muitas mulheres que escolheram o rádio como hobby ou profissão, suas histórias como operadoras são fascinantes e inspiradoras. Essas mulheres têm em comum a paixão por explorar o mundo, pela tecnologia e pela aventura. Esta paixão não está restrita a elas, mas continua a mover os corações de muitas radioamadoras pelo mundo.

Se você estiver interessado em se tornar uma radioamadora, considere ingressar na YLRL, na Sisterhood of Amateur Radio ou na ARRL. [N. do T.: No brasil, sugerimos a LABRE - Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão - www.labre.org.br]

*Ashley Hennefer, MA, é escritora e pesquisadora com sede em Reno, Nevada. Ela é a fundadora e editora do The New Artemis e é apaixonada por tecnologia, viagens e humanidades.

Fonte: https://www.themarysue.com/female-ham-radio-operators/


Para uma galeria de fotos de antigas radioamadoras pioneiras, acesse http://dokufunk.org/amateur_radio/contributions/index.php?CID=2031&ID=2302
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