Por Charlie Page. Traduzido e adaptado por Alisson, PR7GA
https://thepointsguy.co.uk/news/how-pilots-communicate-with-atc-in-air/
Quando você está dentro de um cilindro selado e pressurizado, voando a 10 quilômetros de altura, ser capaz de se comunicar de forma eficiente com o solo é essencial. Nos primórdios da aviação, esta comunicação basicamente consistia a, no máximo, bandeiras e sinais luminosos. Até o dia em que os projetistas e engenheiros conseguiram instalar o primeiro equipamento de rádio nas aeronaves.
As aeronaves modernas agora têm uma grande variedade de dispositivos de comunicação, desde os rudimentares rádios HF até os sofisticados sistemas baseados em satélite que permitem aos pilotos se comunicarem quase como se estivessem com um telefone celular. Vejamos algumas destas tecnologias.
Comunicação por VHF
Como funciona
Esta é a forma de comunicação mais utilizada na aviação, empregando equipamentos que transmitem na faixa de VHF, entre 30 e 300 MHz. Especificamente, a faixa de aviação vai de 118 a 137 MHz. Com estes rádios os pilotos se comunicam com o Controle de Tráfego Aéreo (daqui por diante, abreviaremos pela sua sigla em inglês ATC). Basicamente, a estação transmissora envia um sinal que viaja em linha reta e é captado pela estação receptora.
As comunicações via VHF permitem contatos de fonia de forma rápida e clara. No entanto, como os sinais de rádio nesta faixa se propagam em linha reta, até onde há a chamada "linha de visada", alcance máximo visual, eles são limitados pela curvatura da Terra e por obstáculos que estejam em seu caminho, como colinas e montanhas.
(Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
Ainda devido à curvatura da Terra, a distância máxima que um sinal na faixa de VHF pode percorrer depende da altura de onde o sinal é enviado e da altura da estação receptora. Se o transmissor e o receptor estiverem ambos no solo, a distância será relativamente pequena. Se ambas as estações estiverem no ar, a distância que os sinais podem viajar será muito maior. Porém, durante os contatos entre uma aeronave e o ATC em solo, essa distância ficará entre estes dois extremos.
Assim, com uma aeronave a 36.000 pés de altura (cerca de 11km) e a torre de rádio do ATC a 100 pés (cerca de 30m), a comunicação será possível a até cerca de 375 km de distância. Esta distância pode sofrer variações para mais ou para menos devido às condições atmosféricas, potência do transmissor, ruídos no local de recepção, etc.
Como os pilotos utilizam
A maioria das aeronaves comerciais de hoje conta com três rádios VHF separados. Isso garante não apenas mais segurança caso um deles falhe, como também permite utilizar várias frequências diferentes ao mesmo tempo.
No Boeing 787, por exemplo, os três rádios VHF são identificados como “VHF-L” (esquerdo), “VHF-C” (central) e “VHF-R” (direito). Para controlá-los, existe o painel de sintonia e controle (TCP).
VHF-L é usado principalmente para comunicações com a frequência do ATC atual, VHF-C para comunicação de dados e o VHF-R para manter escuta na frequência de emergência.
O TCP nos dá duas opções para cada rádio - “ACTIVE” (ativo) para a frequência que desejamos receber e transmitir e “STANDBY” (espera) para uma frequência que precisa estar disponível rapidamente em caso de necessidade com o apertar de um único botão.
O painel de ajuste e controle (TCP) do 787 Dreamliner. (Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
Para sintonizar um dos rádios na frequência desejada, o piloto digita a parte numérica da frequência e aperta o botão que fica do lado de onde quer que a frequência seja mudada. Por exemplo, se o ATC (em VHF-L) solicita a mudança para outra frequência em 133,65 MHz, basta digitar “13365” nas teclas numéricas e pressionar o botão de seleção no lado esquerdo.
Quando fazemos isso, duas coisas acontecem.
Em primeiro lugar, a frequência VHF-L ativa muda para 133,65 conforme solicitado. Porém, a frequência anterior não some, mas passa a ficar em espera (STBY). Isso é importante caso o piloto não consiga contato na nova frequência, algo que acontece frequentemente. Caso isso aconteça, basta apertar o botão XFR e a frequência anterior voltará a ficar ativa. Para falar, o piloto dispõe de três botões PTT ao redor de seu acento.
Os rádios VHF são excelentes enquanto os aviões sobrevoam áreas onde há estações de rádio ativas para se comunicarem. No entanto, ao voar sobre os oceanos, as comunicações VHF não são mais viáveis. Nessas situações em que a curvatura da Terra impede o uso do VHF, é preciso empregar rádios que operam na faixa de HF, que vai de 3 a 30 MHz, cuja característica de serem refletidas de volta à superfície da Terra pela ionosfera as tornam extremamente úteis.
(Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
Nas camadas externas da atmosfera terrestre, entre 50 e 100 km de altitude, está a ionosfera. Nesta região, os átomos e moléculas presentes são ionizados pela radiação vinda do sol, o que as transforma num meio que afeta as ondas de rádio. Particularmente, as ondas de rádio na faixa de HF ricocheteiam na ionosfera e voltam para a Terra, o que lhes permite viajar grandes distâncias e contornar até as maiores montanhas.
As camadas da ionosfera. (Imagem cortesia da Naval Postgraduate School Public domain) |
Durante o dia, a radiação do sol faz com que as camadas D, E e F fiquem fortemente ionizadas, tornando-as ativas para as ondas de rádio. À noite, com menos energia do sol, apenas as camadas E e F estão ativas. Isto afeta cada faixa de frequência de forma diferente. De forma simplificada, a parte inferior da faixa de HF é mais útil e alcança maiores distâncias à noite, enquanto que a parte superior é melhor durante o dia.
Porém, o que o HF ganha em distância, perde em qualidade e confiabilidade. Devido às variações normais da ionosfera durante o dia e a noite e também devido à atividade solar, que varia em função do ciclo solar e outros fenômenos, nem sempre é possível a comunicação por HF.
Como os pilotos usam
Ao pressionar o botão HF na parte superior do TCP, é acessado o menu de rádios HF. Como não são usados com tanta frequência como os rádios VHF, existem apenas 2 rádios HF - esquerdo e direito. Sua operação é exatamente igual à dos rádios VHF, contando também com uma frequência de espera, útil quando se cruza os oceanos.
Ao voar para a América do Norte, deixando o espaço aéreo irlandês / escocês, o controlador em Shanwick fornece uma frequência de HF primária para usar e também uma frequência de backup caso não haja contato pela primária. Da mesma forma, também fornecerá uma frequência primária e de apoio para contatar Gander no Canadá quando estiver na metade do Atlântico.
As frequências primária e secundária do lado europeu são armazenadas na posição ativa no HF-L e no HF-R respectivamente. Já as frequências primária e secundária do lado norte-americano são colocadas na posição de espera no HF-L e no HF-R respectivamente, ficando prontas para uso quando necessário.
CPDLC
Como funciona
Ao cruzar os oceanos, é necessário obter autorização dos controladores em solo. Porém, devido à impossibilidade de comunicação em VHF sobre os oceanos, esse contato só poderia ser feito por meio do rádio HF. No entanto, devido à sua baixa confiabilidade, esse processo era demorado e erros eram facilmente cometidos.
Assim, foi necessária a criação de uma forma de comunicação com os controladores de voo realmente eficaz, mesmo que não fosse por meio de voz. Neste sentido, o CPDLC (sigla para Comunicação por Link de Dados entre Piloto e Ccontrolador) - é um tipo de contato por mensagem de texto que permite ao piloto se comunicar com o ATC com bastante eficácia.
Quando fora da cobertura VHF, o sistema CPDLC usa satélites para se conectar com o ATC no solo, que por sua vez pode enviar instruções sobre mudanças de altitude, proa, velocidade e frequências de rádio. A comunicação é de mão dupla: o piloto também pode enviar solicitações ao ATC, caso precise mudar de altitude ou mudar de curso para evitar tempestades, por exemplo.
Usando o CPDLC, a comunicação com o ATC é muito mais rápida e menos sujeita a erros, bastando ao piloto preencher a tela com as informações necessárias e clicar no botão enviar, semelhante ao preenchimento de um formulário em um navegador da web.
Quando está sobrevoando os oceanos, o CPDLC é usado como principal meio de comunicação entre a aeronave e o ATC, ficando o HF como backup. Já quando está sobrevoando o solo, ele ainda é usado em conjunto com os rádios VHF.
Como os pilotos usam
O sistema CPDLC é projetado para ser simples. Para configurar o sistema, basta fornecer a identificação do ATC ao qual se deseja conectar. Cada unidade tem seu próprio código de quatro letras. Por exemplo, o código de Londres é EGTT.
Uma vez conectado, o ATC pode enviar à aeronave instruções por meio de mensagens de texto em vez de fazer contato por voz. Isso reduz a quantidade de chamadas via rádio e também reduz a chance de um mal-entendido.
Os botões de resposta do CPDLC no 787. (Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
Ao receber uma mensagem de texto do ATC por meio do CPDLC, por exemplo, uma autorização para subir a uma altitude maior, ela aparece diretamente na tela, bastando ao piloto pressionar um dos três botões - aceitar, cancelar ou rejeitar. Também há áreas predefinidas no CPDLC para que o piloto responda, caso necessário.
Pressionando um botão, é possível informar ao ATC uma série de informações. (Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
A simplicidade do CPDLC também é muito importante em situações de emergência. Se surgir a necessidade de mudança de curso no meio do Atlântico, localizar o ATC em HF pode ser bastante trabalhoso. Ao invés disso, o piloto pode rapidamente enviar um relatório de emergência ao ATC com todos os detalhes necessários.
SATCOM
Como funciona
SATCOM, sigla para Comunicações por Satélite, permite fazer chamadas de voz de forma parecida com um telefone celular. Usando o sistema INMARSAT, uma rede de 13 satélites geoestacionários, é possível fazer e receber chamadas em quase qualquer lugar do mundo.
Cobertura do sistema SATCOM INMARSAT. (Imagem cortesia de inmarsat.com) |
As chamadas são feitas usando códigos de acesso predefinidos ou então usando um código de país e um número de telefone, tal como uma ligação comum. A chamada é enviada para a rede INMARSAT e então retransmitida para uma estação base terrestre, que a repassa ao destinatário.
Como os pilotos usam
O botão SAT no TCP leva ao menu SATCOM conforme mostrado na foto abaixo. Daí, é dado acesso a uma lista de números e contatos de telefone.
Para fazer uma chamada, basta selecionar o número que deseja discar e apertar o botão “MAKE CALL” (realizar chamada). Geralmente, há um pequeno atraso ao fazer uma chamada SATCOM, motivo pelo qual é preciso falar devagar e dar tempo para que a outra pessoa ouça tudo.
Assistência médica imediata com apenas um telefonema. (Imagem de Charlie Page / The Points Guy) |
O sistema SATCOM é útil não apenas durante as operações de voo, mas sobretudo quando um passageiro tem algum problema médico durante o vôo.
A maioria das companhias aéreas tem acesso a um serviço chamado Medlink. A partir de qualquer local no mundo, é possível ligar diretamente para um hospital em Tucson, Arizona. Lá, médicos especialmente treinados podem avaliar, diagnosticar e prescrever tratamento para um passageiro que esteja doente. Eles podem até orientar a tripulação para pousar em um aeroporto próximo caso a emergência assim exija.
Assim, a clareza e a velocidade da chamada SATCOM garantem que um passageiro doente pode receber tratamento de qualidade mesmo voando a oito quilômetros de altura acima do Oceano Pacífico.
Conclusão
Dependendo da situação e da localização geográfica, existem diversos canais de comunicação à disposição dos pilotos e do ATC. O rádio VHF é o método utilizado na maioria das vezes, permitindo interações rápidas com o ATC em momentos em que a agilidade é essencial, como na decolagem e no pouso.
No entanto, como o VHF só funciona com “linha de visada”, os satélites permitem a comunicação de forma eficaz em áreas remotas via CPDLC e SATCOM. O uso de mensagens baseadas em texto também reduz o risco de mal-entendidos entre o ATC e os pilotos, levando a um aumento na segurança em vôo.
Sobre o autor
Charlie Page é um experiente piloto de avião, operando no Boeing 787 Dreamliner. Ele já acumulou mais de 10 mil horas de voo tanto na família A320 sobre a Europa quanto no B787 ao redor do mundo. Caso deseje comunicar-se com ele a respeito de assuntos relativos à aviação, envie um email para charlie@charliepage.co.uk
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